sexta-feira, 8 de abril de 2011

Aos rebeldes da Linguagem

As designações dos nomes, acontecimentos, fatos em geral, estão intrinsecamente relacionados com a questão ideológica. Rajagopalan (2003) sobre seu texto “Designações” aponta para essa linha argumentativa e exemplifica utilizando a posição da mídia a partir de um viés político. Segundo ele o “papel da mídia tornou-se inconfundivelmente visível e inegável” (RAJAGOPALAN, 2003, p. 81) atualmente. Seus exemplos se caracterizam pela polaridade política Bem vs. Mal disseminadas pela a mídia: Iraque (figura do Osama Bin Laden como terrorista, e portanto, do Mal, perigoso, etc.) e EUA (figura do Bush como defensor da pátria e por “ser detentor da mídia” configura seus personagens). O texto ainda discursa sobre uma ilusória imparcialidade defendida pela mídia a cerca dos fatos. O não questionamento do público sobre as “realidades” relatadas sobre acontecimentos, pessoas, etc. Por sua vez o foco de seu texto, e seu livro Por uma lingüística crítica: linguagem, identidade e questão ética (2003), de modo mais amplo foca os discursos e consequências sobre “nomear”, “designar” determinado assunto e seus “personagens”. Existe uma forte tendência ideológica dentro dessa nomeação. Polaridades são construídas, pessoas são enaltecidas e odiadas. Isso se dá, também, pela massiva influência midiática na opinião pública. A ausência de grande parte da população em questionar esse(a) ou aquele(a) fato/pessoa resulta no condicionamento de verdade exclusiva, e assim, construção conceitual sem embasamento crítico. Assimilação de um olhar e apagamento de outros distintos. Devido a sua vinculação midiática ser forte ou fraca.
            Nessa mesma linha podemos constatar as argumentações e contextualizar exemplos do Rajagopalan (2003) pelo que observamos atualmente na mídia sobre as designações dos manifestantes na Líbia, os “rebeldes”. Rebeldes por que se rebelaram contra o ditador Kadafi? Ou rebeldes por que simplesmente se voltaram contra o governo (independe ou não de ser uma ditadura ou democracia)?
            Para nós, brasileiros, são rebeldes? Por que há uma invasão militar ocidental lutando contra as milícias do Kadafi ao lado dos “rebeldes”? Quais os reais interesses dessas intervenções? Por que o povo líbio se rebelou? Essas são questões que fervilham sob a pele da palavra “rebelde”.
A Líbia acompanha o mesmo processo revolucionário dos países árabes iniciado pelo Egito. Décadas de Ditaduras sendo postas em cheque pela mobilização popular e a instauração de um governo aparentemente democrático. Um processo que para nós, ocidentais, já se consolidou há anos. Entretanto, esquecemos, quando apontamos para o outro lado do mundo sem observar a cultura milenar daqueles países, os quais têm relação substancial com a religião. Eles lutam por um Estado laico, sem vínculo com a religião.
Os socialistas revolucionários apoiam o processo revolucionário dos países árabes, mas ressaltam que há duas guerras na Líbia: uma dentro do país (povo líbio vs. Ditador Kadafi) e outra internacional (Líbia vs. Invasão ocidental). Ambos são uma luta contra o imperialismo. Os interesses econômicos são maquiados pela bandeira da paz. É notório que o interesse da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), liderada pelos Estados Unidos, França e Grã-Bretanha é continuar com as relações de exploração econômica no país árabe como Kadafi vinha mantendo desde 2003. E agora, com Kadafi em crise, tendo sua população se rebelando, os membros da Otan sentiram que se não tomassem uma posição teriam seus interesses comerciais ameaçados. Nesse sentido, voltaram suas armas contra aquele (Kadafi) que certa vez trocaram apertos de mãos calorosos e acordos comerciais vantajosos para ambos.
O termo rebelde se encaixa muito bem para a população líbia quando compreendemos esse contexto e quando sabemos que a mídia é controlada pela burguesia, a qual a financia. Desse modo, o ponto de vista dos controladores midiáticos fica absurdamente evidente nas denominações dos fatos. A imparcialidade é uma ilusão. A ideologia defendida é escancarada. Segundo Bakhtin (1929) “o signo é uma arena onde se travam as lutas de classes”, os valores em “rebeldes” estão lá se gladiando por um espaço, e o discurso “vencedor” têm se mostrado do lado midiático. O poder vinculador de informação se mostra, assim, a espada certeira do conflito ideológico.


Referências consultadas

ALMEIDA, Eduardo. Líbia: uma revolução, duas guerras. Opinião Socialista, no 420, p. 12-16, mar./abr. 2011.

BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. Tradução de Michel Lahud e Yara Frateschi Vieira. São Paulo: Martins Fontes, 1997.  

RAJAGOPALAN, Kanavillil. Por uma lingüística crítica: linguagem, identidade e questão ética. São Paulo: Parábola Editorial, 2003.

Intervenção da Otan na Líbia disponível em: <http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/internacional/2011/04/04/otan-piorou-o-conflito-na-libia-dizem-rebeldes-qatar-enviara-armas-a-grupos-anti-gaddafi.jhtm>. Acesso em: 06 abr. 2011.


Educação: a utopia do sistema

O professor, Gustavo Bernardo, em seu texto “Ensino”, publicado no livro Redação Inquieta em 1988, aborda questões sociais, políticas e culturais que se relacionam à estrutura fechada do ensinar-aprender nas escolas. Argumenta no sentido de culpabilizar o Estado, a família e a escola (professores-alunos) da incapacidade e frustração do “ensinar-aprender a escrever”. Ele conclui com a afirmação do prazer em escrever, do desejo de escrever, ao invés da estagnação e conservadorismo que a sociedade reproduz nas escolas. No sentido de não estruturar o aprendizado, e sim torná-lo prazeroso.
O ensino retratado por Bernardo abarca noções superficiais e se atém ao encontro de responsáveis pela não “escrita coerente” dos alunos. Uma visão minimalista da linguagem, quando se pensa no alargamento do pensamento para “ensino” propriamente dito. O olhar crítico do aluno perpassa nos seus textos, nas suas redações, nas suas dissertações. Mas quando não existe uma discussão a fundo do assunto em debate, ou quando não há uma base sólida dos mecanismos de linguagem, a redação raramente se dará da forma exigida. Formal e estrutural.
Observamos, sempre, uma incoerência lógica e/ou argumentos vazios. Quando o critério é desenvolvimento. Porém, o critério “escrita” mecânica, normas gramaticais, mostra-se o principal agente fuzilador do desejo da escrita pelos alunos. As infinitas e ortodoxas regras impostas e marteladas constantemente nas aulas de português, em geral, paralisam a criatividade individual do aluno como ser pensante e crítico.
Nota-se também, como mencionado anteriormente, o viés crítico do aluno. Não basta ser um professor excelente, ter argumentos eficazes, não basta também o incentivo da família à leitura, ou um Estado ativo em suas melhorias para educação. A realidade é outra, é oposta. O Estado tem se tornado a cada dia mais omisso, inclusive, o governo Dilma começou com o corte de 3,1 bilhões¹ de reais destinados à educação, e os estudantes são as principais vítimas. O ensino tem se sucateado nessa mão pública. A família tem se mostrado na perspectiva do incentivo ao trabalho para ganhar dinheiro e ajudar nos gastos sem se preocupar ou focalizar numa educação de qualidade. São raros os pais que se interessam ativamente na vida escolar-acadêmica de seus filhos. Portanto, o eixo maior se concentra no próprio sistema econômico de que fazemos parte, o capitalismo, o qual se dá pela moral do discurso “vale tudo, o importante é se dar bem”. E o lucro, o dinheiro, é o mais importante. Os valores sociais, culturais e políticos estão completamente apodrecidos nesse sistema.
Assim, para a aristocracia brasileira está bom, o ENEM implantado como “vestibular” de federais e o acesso generalizado de pessoas às universidades públicas sem uma base sólida crítica-discursiva. O eixo não está no acesso à educação de “qualidade”, mas aos agentes necessários ocultados nesse percurso. O investimento adequado nesse setor: professores bem remunerados, condições viáveis de infraestrutura das escolas, incentivo a debates, entre outros motivos.
Mas é notório que a raiz podre do ensino não está vinculada a apenas um fator independente. A cultura, o sistema, o político, a relação entre pessoas, tudo se inter-relaciona e se torna dependente dos resultados observados sobre o ensino.
            Escrever com gosto, com apreço, com desejo, tem sua importância como frisa Bernardo (1988) em sua redação. No entanto, para despertar esse “apreço” a estrutura do ensino precisa flexibilizar e facilitar esse insight educativo de um modo crítico e real.


Francimeire Leme Coelho
Estudante de Linguística da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).